Procedimentos no Corpo
Por Thalles Cavalcanti
(Graduando em Psicologia – 8° Período pela Universidade Federal Fluminense - UFF. ICHS. Volta Redonda. Integrante e Pesquisador no Laboratório de Investigação das Psicopatologias Contemporâneas - LAPSICON.)
O ano é 2017. A
contemporaneidade torna muito claro o uso – neurótico – de um corpo que é
instrumento de nossas próprias divisões. O corpo do sujeito que precisa gerir
sua existência enquanto pai, filho, aluno, profissional, cônjuge e uma série de
outras posições que surgem ao longo da vida. Um corpo aparece como um
instrumento do Eu e de todas as suas divisões subjetivas, de todo o seu
recalcamento.
Diante disso notamos uma
sociedade que está mais do que acostumada a uma série de procedimentos no
corpo: Tatuagens, piercings, orelhas
furadas e cheias de brincos. Os mais diversos penteados e cores de cabelo!
Bronzeamentos, artificiais ou não. Procedimentos para limpeza de pele,
cirurgias estéticas e tantas outras coisas que usamos em prol do que queremos
(ou achamos querer) ser e de um corpo que acreditamos precisar refletir isso. O
corpo se torna parte de algo que deve ser dito! Parte de um ideal que norteie
nossa própria existência.
E
num mar infinito desses procedimentos sobre nosso próprio corpo, nem sempre é
simples a tarefa de entender o que está a serviço do Ideal e o que esta a
serviço do mais nefasto que a pulsão de morte trás consigo. É através da
palavra, da fala que o sujeito tem a possibilidade de entender a serviço do que
esses procedimentos operam!
Entre toxicomanias,
anorexia e o cutting, formas de
sofrimento psíquico hoje muito recorrentes, – que vão nos dizer que Freud
permanece escandalosamente atual em sua teoria – fica muito claro o
funcionamento tóxico do psiquismo pode assumir, com traços de adição, marcados
pelo excesso e pela repetição com a intensificação de procedimentos no corpo,
em detrimento das formações do
inconsciente!
Tomemos alguns minutos
para falar do ultimo: O corte na pele. Um sujeito, com auxilio de um objeto
cortante, fere – e marca – a própria pele.
Braços, coxas, pulsos! Qual é o estatuto da dor? O que ela diz a
respeito desse próprio sujeito e de suas formações inconscientes? A
prática do cutting não está isenta de angústia! Mas se todos nós
precisamos lidar angustia em dado momento da nossa vida, o que leva um sujeito
a eleger o corte, a encontrar na destruição do próprio corpo a resposta?
A hipótese que se desenha
é que o traço de excesso e repetição, que estão na base do corte na pele,
evidencia a irrupção da desestabilização pulsional sob a forma de uma satisfação
autoerótica. O corte está a serviço do gozo! Não há desejo, não há formação
inconsciente! O sujeito se coloca diante de você em silêncio, enquanto se afoga
em seu próprio mundo de palavras, acontecimentos e angustias.
Numa coleta de
depoimentos a cerca dos cortes na rede social Tumblr, que com facilidade permite o anonimato de seus usuários,
fica clara a devastação do próprio sujeito. Que se posiciona diante do outro
majoritariamente como a parte dispensável, que merece ser punida. Ainda que ele
mesmo esteja à mercê do excesso do outro; que quando não vem a partir da fala e
da cobrança, surge no desinteresse, no silêncio e na total falta de
preocupação.
O sujeito se coloca como
um filho ruim, um aluno ruim e um namorado que merece ser abandonado. Em seus
discursos as ações dos outros perdem a importância. O sujeito que se corta
habita a posição de menos valia. Acredita merecer estar em segundo plano,
acreditam merecer o descuido dos próprios pais, os abusos de quem quer que os
cerque. E então se devastam, se cortam e
não, eles não se estabilizam! Não podemos dizer que o corte substitui a fala,
não podemos colocar a destruição no mesmo patamar que a formação inconsciente!
ENTÃO, POR FAVOR, NÃO O FAÇAMOS!!
Fica claro ainda o quanto
o cutting não é o suficiente para estabilizar a desordem na constituição
do próprio sujeito, decorrente do recuo do significante unário, do Nome do Pai
– tão essencial a todo advento da vida humana. Consequentemente, o cutting não é o suficiente para regular
o caráter aditivo da angústia.
E, no entanto, se é que algo
pode ser feito de imediato... Que valorizemos a fala, que sejamos capazes de
permitir que os sujeitos falem! Sobre suas mazelas, sobre suas angustias, sobre
tudo aquilo que a própria contemporaneidade nos obriga calar. Que falem sobre
quem são, sobre seus cortes, sobre os nomes que marcam seus corpos. Por que é
na fala que conseguimos separar o que é nosso e o que é do outro. Entre a
destruição do próprio sujeito e a crítica ao outro, que o outro então seja
criticado! Que não calemos nossos filhos, amigos e parceiros!
Eu não tenho como
concordar com a formulação do senso comum de que esses sujeitos estão
desesperados por atenção. Mas se você acredita nisso, e talvez você acredite,
pense nisso por um segundo: diante de um mundo de falas, atitudes e
procedimentos que não o destrói, porque um sujeito se destruiria por “atenção”?
Sejamos mais sensíveis e aprendamos a ouvir quando alguém este pedindo ajuda, ainda
que em silêncio! Que possamos quebrar esse silêncio, que possamos deixar o
outro FALAR.
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